segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Todas as Vidas ( Cora Coralina)




Vive dentro de mim
Uma cabocla velha
De mau-olhado,
Acocorada ao pé do
Borralho,
Olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mim
A lavadeira do Rio
Vermelho.
Seu cheiro gostoso
D’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
Pedra de anil,
Sua coroa verde de são-
Caetano.

Vive dentro de mim
A mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem-feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
Toda pretinha.
Bem cacheada de
Picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim
A mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
Desabusada, sem
Preconceitos,
De casca-grossa,
De chinelinha,
E filharada.

Vive dentro de mim
A mulher roceira.
- Enxerto da terra,
Meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
Do pé no chão.
Bem parideira.
Bem carideira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.

Vive dentro de mim
A mulher da vida.
Minha irmãzinha...
Tão desprezada,
Tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste
Fardo.

Todas as vidas dentro de
Mim:
Na minha vida –
A vida mera das
Obscuras.





Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, (Cidade de Goiás, 20 de agosto de 1889Goiânia, 10 de abril de 1985) foi uma poetisa e contista brasileira. Cora Coralina, uma das principais escritoras brasileiras, publicou seu primeiro livro aos 76 anos de idade.
Mulher simples, doceira de profissão, tendo vivido longe dos grandes centros urbanos, alheia a modismos literários, produziu uma obra poética rica em motivos do cotidiano do interior brasileiro, em particular dos becos e ruas históricas de Goiás.
Saudada por Carlos Drummond de Andrade no Jornal do Brasil, a 27 de dezembro de 1980, Cora Coralina, ganhou a atenção e passou a ser admirada por todo o Brasil.
Preocupada em entender o mundo no qual estava inserida, e ainda compreender o real papel que deveria representar, Ana parte em busca de respostas no seu cotidiano, vivendo cada minuto na complexa atmosfera da Cidade de Goiás, que permitiu a ela a descoberta de como a simplicidade pode ser o melhor caminho para atingir a mais alta riqueza de espírito.

1- Que tipo de mulher é esta apresentada  no poema?

2- Interprete a 6ª estrofe do poema.

3- Retire do poema elementos que lembrem a zona rural ou o interior.

4- O que significa uma Mulher “bem parideira. Bem carideira”?

5- Agora retrate você. O que vive dentro de você? Faça uma paráfrase deste texto de Cora Coralina, falando um pouquinho de você, seus sonhos, gostos, hábitos, desejos...

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