domingo, 14 de agosto de 2011

Classicismo: Os Lusíadas - Camões

Textos para serem trabalhados para a compreensão de    “Os Lusíadas” de Luís Vaz de Camões -
 em grupo  – valor : 10,0


"Nada é mais fantástico que a própria realidade."
(Dostoievski)

Vasco da Gama , navegador que em 1498 abriu o caminho marítimo-comercial para as Índias, é o herói individual do poema. É metáfora simbólica, no entanto, de um povo e suas façanhas, de um tempo especialmente rico e pleno para a Nação portuguesa.Ele encarna o modelo heróico de maneira decisiva: põe-se ao mar, ainda "tenebroso" e segue para outras terras. Abrir o caminho marítimo-comercial não era apenas o começo, era um fim em si mesmo: conquistar através do mar imenso, a grandiosidade, a coragem, a dignidade, expandindo a monarquia portuguesa e a fé cristã. Sob outro enfoque, buscar riquezas e fazer jus à coragem com o que se inflamavam as mentes lusitanas.
Vasco é, na epopéia, um misto de herói e narrador. E representa um outro herói, este coletivo: todo um povo e seu orgulho; uma gente que se pôs ao mar e conquistou o mundo.

O poema Os Lusíadas é uma epopéia, porque  nele existe a intenção clara de louvar um herói. Quando nos referimos ao épico, quer dizer poema narrativo com intenção visivelmente demarcada: louvar o herói como modelo de comportamento, ou, através dele, louvar uma raça, um povo, uma comunidade.


Canto III de Os Lusíadas

Episódio de Inês de Castro

1.       Pressupostos históricos para o entendimento do texto:
A História de Inês de Castro, a rainha coroada depois de morta, possui pelo menos 10 versões correntes. Uma boa parte delas, assenta-se , sobretudo, na necessidade que o povo português teve ( e tem) e glorificar ao extremo os seus heróis e mitos, sobretudo os do fim da Idade Média.
Certo é também que tanto Fernão Lopes quanto Camões trataram de endeusar tal rainha, morta realmente no dia 7 de janeiro de 1355, por ordem do Conselho de Anciãos de do próprio rei Afonso IV, após a leitura "de culpa", na frente dos filhos, em ausência do Infante D. Pedro, que houvera saído de Lisboa, a pedido do pai.
Certo é também que D. Pedro apaixonou-se perdidamente por ela e com ela teve dois filhos; da mesma forma que é dado como certo que ele, endoidecido de paixão, mandou desenterrar Inês e coroou-a "Rainha de Portugal", bem como reconheceu como seus sucessores seus filhos, elevando-os à categoria de Infantes, ou seja, aspirantes ao trono português depois de sua morte.
Inês é hoje, como o foi desde sua morte, um mito português.
Nem se sabe ao certo sua verdadeira origem, posto que tudo quanto a cerque foi, aos poucos, sendo envolvido nas brumas da necessidade de um mito que consagrasse o amor como eterno e indestrutível. Ou sagrado, sobre todas as coisas.
Dá-se como correto o fato de que descendia de família nobre e que veio para Portugal como dama de companhia de D. Constança, esposa de D. Pedro. Conta-se que sua esplêndida beleza perturbou os sentidos do futuro rei e que ele a levou do castelo para uma quinta, nas proximidades do Mondego, ao norte de Lisboa, e passou a vê-la em segredo.
Especula-se, ainda, que D. Constança teria morrido de desgosto, ao dar-se conta de que a amiga em quem confiava e a quem confiava suas mágoas a traíra. Após a morte da mulher, Pedro casa-se em segredo com Inês, o que causa um gigantesco escândalo em Portugal. Pressionado pelo Conselho de Anciãos e pelos conselheiros-ministros, D. Afonso IV, consente em matar Inês.
Ao voltar a Lisboa, sabendo que o pai morrera de desgosto, Pedro fica sabendo sobre a morte da amada, desenterra-a após 28 dias de morta ( para alguns historiadores isso acontece depois de 5 anos), coroa-a rainha. Aos assassinos de Inês, D. Pedro aplica os piores castigos ( Fernão Lopes narra tais episódios), tirando-lhes, em praça pública, o coração pelas costas e jogando suas vísceras aos cães sarnentos de Lisboa. Aos restos deles, manda queimar. Após Esse dia, recebe o nome de Pedro, o Cru ou Pedro, o Cruel.
O certo é que os túmulos de D. Inês de Castro de Alcobaça e de D. Pedro, o Cruel, estão enterrados frente a frente no Mosteiro de Alcobaça e os eternos amantes, assim o crêem, poderão estar juntos para a eternidade após o Juízo Final.


Canto IV

Nesse canto narra-se a Batalha de Aljubarrota. D. João II inicia as diligências para chegar até as Índias. O governo de D. Manuel, o Venturoso é revisitado. O sonho deste rei está posto em destaque; depois de sonhar, D. Manuel inicia os preparativos, reúne uma frota e põe os navios ao mar. Vasco conta a partida de sua Armada da Praia do Restelo.
Mas é desse canto uma das perguntas mais freqüentes sobre Camões no vestibular: o Episódio do Velho do Restelo, amaldiçoando as ambição portuguesa, "a glória de mandar e a vã cobiça." Leia o texto:

94
Mas um velho de aspecto venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C’um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do esperto peito:
95
_"Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade a quem chamamos fama!
Ó fraudulento gosto que se atiça
Cua aura popular que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldade neles experimentas!

96
"Dura inquietação d’alma e da vida,
Fonte de desamparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios!
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo digna de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!
97
"A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo d’algum nome preminente?
Que promessas de reinos e de minas
De ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? Que histórias?
Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?
(...)
102
"Oh! Maldito o primeiro que no mundo
Nas ondas vela pôs em seco lenho!
Digno de eterna pena do Profundo,
Se é justa a justa lei que sigo e tenho!
Nunca juízo algum, alto e profundo,
Nem cítara sonora ou vivo engenho
Te dê por isso fama nem memória,
Mas contigo se acabe o nome e glória!

A fala do velho do Restelo é reflexivo-filosófica; ele , fazendo o papel do que na Antiguidade era o coro no teatro grego, representa o que os portugueses, já na década de 60 do século XVI, pensavam de si próprios. Sair ao mar, pela cobiça, ouro, fama...deixando para trás suas esposas, filhos, quantos sonhos foram finalizados por essa incansável busca por poder ! Este episódio faz com que  façamos uma reflexão maior sobre até que ponto é viável termos tanta cobiça, buscarmos poder , fama e  ao mesmo tempo, esquecermos de valores mais importantes, como a presença da família.Esta passagem, muito mais tarde, já no século XIX, em Mensagem ( 1934), do modernista Fernando Pessoa, tem ressonância:
I.        Mar português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o Céu.

Ainda: o que faz o velho do Restelo admoestar Vasco era o abandono dos empreendimentos na África e os investimentos vultosos da Coroa para abrir o caminho comercial para as Índias. A África, apesar de violenta, era próxima; e o Cabo das Tormentas era, ainda, um mistério terrível para quem queria "passar além da Taprobana", ou seja, expandir o Império português.
Leve em conta, quando ler os versos do Velho do Restelo, que este canto, quase medial, representa uma crítica contundente ao mercantilismo, às conquistas e à busca incessante de riquezas que a coroa portuguesa, à essa época, patrocinava.
Leve em conta, ainda, que o velho fala por ocasião da partida de Vasco, mas que Camões, que escreveu o poema quase cem anos depois, sabia, como homem inteligente que era, sobre o rastro de destruição e infortúnios que os portugueses tinham espalhado durante a colonização que fizeram e, sobretudo, as perdas que Portugal sofrera durante as grandes navegações: navios e homens, tudo pela "glória de mandar, a vã cobiça."

Canto V


Nele, Vasco continua contando ao rei a História portuguesa: a saída de Lisboa, Fogo de Santelmo, a Tromba Marinha, o caso de Fernão Veloso, a passagem pelo Cabo das Tormentas, a viagem até Melinde.
Aqui também aparece uma personagem mitológica muito conhecida: o Gigante Adamastor, adaptação camoniana ao mito de Netuno, com suas longas barbas e tridente na mão. Ele aparece no quinto dia de viagem: "cinco sóis eram passados" e diz o motivo pelo qual não aceita que os portugueses contornem aquele Cabo.
37
Porém já cinco sóis eram passados
Que dali nos partíramos, cortando
Os mares nunca de outrem navegados,
Prosperamente os ventos assoprando,
Quando ua noite, estando descuidados
Na cortadora proa vigiando,
Ua nuvem, que os ares escurece,
Sobre nossas cabeças aparece.
38
Tão temerosa vinha e carregada,
Que pôs nos corações um grande medo.
Bramindo, o negro mar de longe brada,
Como se desse em vão n’algum rochedo.
_"Ó Potestade _ disse _ sublimada,
Que ameaço divino ou que segredo
Este clima e este mar nos apresenta,
Que mor cousa parece que tormenta?"
39
Não acabava, quando ua figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura,
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados , e a postura
Medonha e má, e a cor terrena e pálida,
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.
40
Tão grande era de membros, que bem posso
Certificar-te que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo.
C’um tom de voz nos fala horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo.
Arrepiam-se as carnes e o cabelo
A mim e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo.
41
E disse: _ "Ó gente ousada, mais que quantas
No mundo cometeram grandes cousas,
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
E por trabalhos vãos nunca repousas,
Pois os vedados términos quebrantas
E navegar meus longos mares ousas,
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,
Nunca arados de estranho ou próprio lenho;
42
"Pois vens ver os segredos escondidos
Da natureza e do úmido elemento,
A nenhum grande humano concedidos
De nobre ou de imortal merecimento,
Ouve os danos de mi que apercebidos
Estão a teu sobejo atrevimento,
Por todo o largo mar e pela terra
Que inda hás-de subjugar com dura guerra.

Se você for perceptivo, estará vendo repetidas as palavras do Velho do Restelo. Aliás, a forma mais comum, nesta epopéia, de Camões dirigir-se ao povo lusitano é como "gente ousada", com o sentido dilatado de "empreendedora, destemida".
O gigante Adamastor explicará por que fará com que os navios da frota de Vasco sejam consumidos pelas águas do Cabo das Tormentas: a ninfa que ele ama "mora nestas águas"e a quilha dos navios poderiam machucá-la.
Ambas as partes dialogam e expõem seus motivos. E , por fim, " tornando a cortar a água salgada/ Fizemos desta costa algum desvio." E lá se foram para o mar sem fim.

Canto IX

Em Calicute, há uma traição feita a Vasco. Mas a Armada portuguesa consegue escapar. Este canto contém o célebre episódio da lha dos Amores; após a fuga, navegam e chegam à dita ilha. Os portugueses são recebidos com um grande banquete e uma grandiosa festa, para comemorar a grande façanha: a conquista das índias.  Enquanto os marinheiros passeiam com as nereidas, Tétis conduz Vasco da Gama ao topo de "um cume alto e divino" e de lá mostra-lhe "a máquina do mundo", e faz vaticínios sobre o povo lusitano, ou seja, neste momento Camões prevê a decadência de seu país.
87
Tomando-o pela mão, o leva e guia
Para o cume dum monte alto e divino,
No qual ua rica fábrica se erguia
De cristal toda e de ouro puro e fino,
A maior parte aqui passam do dia
Em doces jogos e em prazer contino;
Ela nos paços logra seus amores,
As outras pelas sombras, entre as flores.
88
Assi a fermosa e a forte companhia
O dia quase todo estão passando
Nua alma, doce, incógnita alegria,
Os trabalhos tão longos compensando;
Porque dos feitos grandes, da ousadia
Forte e famosa, o mundo está guardando
O prêmio lá no fim, bem merecido,
Com fama grande e nome alto e subido.
(...)
92
Mas a Fama, trombeta de obras tais,
Lhe deu no mundo nomes tão estranhos
De Deuses, Semideuses imortais,
Indígetes, Heróicos e de Magnos.
Por isso, ó vós que as famas estimais,
Se quiserdes no mundo ser tamanhos,
Despertai já do sono do ócio ignavo,
Que o ânimo, de livre, faz escravo;
93
E ponde na cobiça um freio duro,
E, na ambição também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
Vício da tirania, infame e urgente;
Porque essas honras vãs, esse ouro puro
Verdadeiro valor não dão à gente;
Melhor é merecê-los sem os ter,
Que possuí-los sem os merecer.
94
Ou daí na paz as leis iguais, constantes,
Que aos grandes não dêem o dos pequenos,
Ou vos vesti nas armas rutilantes,
Contra a lei dos imigos Sarracenos:
Fareis os reinos grandes e possantes,
E tereis mais, e nenhum menos;
Possuireis riquezas merecidas,
Co’as honras que ilustram tanto as vidas.
95
E fareis claro o Rei que tanto amais,
Agora co’os conselhos bem cuidados,
Agora co’as espadas, que imortais
Vos farão, como os vossos já passados.
Impossibilidades não façais.
Que quem quis, sempre pôde; e numerados
Sereis entre os Heróis esclarecidos,
E nesta "Ilha de Vênus"recebidos.


Observação: Tétis aconselha o Vasco sobre o futuro, advertindo-o como metonímia representativa do povo lusitano. Marcam profundamente estas palavras as expressões: "se quiserdes no mundo ser tamanhos/ despertai já do ócio ignavo/ que o ânimo , de livre, faz escravo." . E acrescenta duras palavras ao seu conselho: "E ponde na cobiça um freio duro...".  Entende-se que o povo português deveria parar com as navegações marítimas e cuidar de seu país, caso contrário, ficaria nas mãos dos invasores, e perderia todo o seu poder. É a real decadência de Portugal.
Releia a estrofe 93: honras vãs, ouro puro, vã cobiça... Há crítica de como os portugueses conduziam ou conduziriam seus domínios .

Canto X

Ainda na Ilha dos Amores, Sirena dará conta dos feitos futuros dos portugueses. Do monte Tétis mostra ao Gama a esfera terrestre. Os portugueses partem da Ilha. E retornam, finalmente, a Lisboa.
144
Assi foram cortando o mar sereno,
Com vento sempre manso e nunca irado,
Até que houveram vista do terreno
Em que nasceram, sempre desejado;
Entraram pela foz do Tejo ameno,
E à sua Pátria e Rei temido e amado
O prêmio e glória dão por que mandou
E com títulos novos se ilustrou.



1-   Quem foi Vasco da Gama e o que ele representa?
2-    Por que “ Os Lusíadas” é uma epopéia?
3-   Quais os 04 (quatro) episódios mais importantes desta obra? E em quais cantos eles aparecem?
4-   Comente o que você entendeu sobre  a Morte de Inês de Castro
5-   Qual a intenção do Velho do Restelo? Fale com suas palavras sobre este episódio.
6-   Qual a relação entre o episódio do Velho do Restelo e o poema de Fernando Pessoa “Mar Português”?
7-   O que denota (significa) O Gigante Adamastor?
8-   O que acontece no episódio da Ilha dos Amores (Canto IX )?
9-   No canto IX, o que Tétis fala a Vasco da Gama?
10- O que acontece no Canto X do livro “Os Lusíadas”?